Sou um homem

um poeta
uma máquina de passar vidro colorido
um copo, uma pedra
uma pedra configurada
um avião que sobe levando-te nos seus braços
que atravessam agora o último glaciar da terra,
os dias e as noites deste século têm gritado tanto no meu peito que existe nele uma árvore miraculada.
...
posso ser visto à noite na companhia de gente altamente suspeita
e nunca de dia a teus pés florindo a tua boca
porque tu és o dia porque tu és
a terra onde eu há milhares de anos vivo a parábola
do rei morto, do vento e da primavera
Quanto ao de toda a gente – tenho visto qualquer coisa
Viagens a Paris – já se arranjaram algumas.
Enlaces e divórcios de ocasião – não foram poucos.
Conversas com meteoros internacionais – também, já por cá passaram.
Eu sou, no sentido mais enérgico da palavra
uma carruagem de propulsão por hálito
os amigos que tive que assombrei as ruas por onde passei uma só vez
tudo isso vive em mim para uma história
de sentido ainda oculto
magnífica, irreal
como uma povoação abandonada aos lobos
lapidar e seca
como uma linha férrea ultrajada pelo tempo
é por isso que eu trago um certo peso extinto
nas costas
a servir de combustível
e é por isso que eu acho que as paisagens ainda hão-de vir a ser
escrupulosamente electrocutadas vivas
para não termos de atirá-las semi-mortas à linha
E para dizer-te tudo
dir-te-ei que aos meus trinta anos de existência solar estou
em franca ascensão para ti O Magnifico
na cama, o espaço duma pedra em Lisboa-Os-Sustos
e que o homem-expedição de que não há notícias nos jornais nem
lágrimas à porta das famílias
sou eu meu bem sou eu partido de manhã encontrado perdido entre
lagos de incêndio e o teu retrato grande!

adaptado de M. Cesariny

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